As Perguntas que Ninguém Responde
Uma história sobre um menino curioso, adultos apressados, e por que fazer a pergunta certa é mais importante que ter a resposta na ponta da língua
Pedrinho tinha sete anos e uma curiosidade que deixava qualquer adulto de cabelo em pé. Não porque fizesse perguntas demais – isso era normal para uma criança. O problema é que ele fazia perguntas que ninguém fazia.
Na segunda-feira, durante o almoço em família, ele olhou para o iogurte na mesa e perguntou:
- Pai, o produto fica podre no dia da validade ou no dia seguinte?
O pai, Marcos, parou de mastigar e ficou olhando para o menino. Era uma pergunta simples, mas... estranhamente, ele nunca havia pensado nisso.
- Ahn... no dia da validade, claro, Pedrinho.
- Tem certeza? - insistiu o menino, com aquele brilho no olho que significava que ele já sabia algo que o pai não sabia.
- Claro que tenho! A data de validade existe exatamente para isso.
Pedrinho sorriu e continuou comendo, sem dizer mais nada.
Na terça-feira, foi a vez da mãe, Carla, ser pega de surpresa. Eles estavam no espelho do banheiro quando Pedrinho perguntou:
- Mãe, se no nariz não nasce ruga, por que a cara não é feita da mesma pele do nariz?
Carla parou de passar o creme anti-idade e ficou olhando para o próprio reflexo. Depois olhou para o nariz. Depois para as rugas ao redor dos olhos.
-Pedrinho... eu... bem... é diferente porque...
- Porque o quê, mãe?
-Porque... é diferente mesmo, filho.
O menino deu aquele mesmo sorriso misterioso e saiu do banheiro.
Na quarta-feira, na escola, foi a vez da professora Helena.
- Tia Helena, por que a gente não ensina as crianças a fazer perguntas melhores em vez de só dar respostas prontas?
Helena parou a aula de matemática. Era uma pergunta tão profunda. E vinda de uma criança de sete anos.
- Bem, Pedrinho, porque... porque o importante é aprender o conteúdo.
- Mas se a gente não sabe perguntar direito, como vai saber se a resposta está certa?
A sala ficou em silêncio. As outras crianças olhavam para Pedrinho como se ele fosse um ET. Helena sentiu um frio na barriga.
- Vamos continuar com a matemática, pessoal.
Mas ela não conseguiu parar de pensar na pergunta.
A Descoberta do Pai
Na quinta-feira, Marcos estava no trabalho quando um colega comentou sobre uma nova ferramenta de IA que a empresa havia adquirido.
- Cara, essa IA é uma porcaria - reclamou o colega. - Pedi para fazer um relatório de vendas e ela me deu um monte de besteira.
Marcos se lembrou da pergunta do Pedrinho sobre o iogurte. Ficou curioso.
- Como você pediu para ela?
- Como assim?
- Que pergunta você fez exatamente?
O colega coçou a cabeça:
-Ah, sei lá, pedi: "Faz um relatório de vendas".
- Só isso?
- Só.
Marcos pensou no jeito que Pedrinho fazia perguntas. Sempre específicas, sempre com contexto, sempre parecendo que ele já sabia o que queria.
- Posso tentar uma coisa?
Marcos abriu a ferramenta e digitou:
"Crie um relatório de vendas do Q3 2025 para produtos categoria A, comparando com Q3 2024, destacando top 5 produtos e principais razões das variações, formato executivo com gráficos para apresentação à diretoria."
A IA gerou um relatório perfeito.
O colega ficou de boca aberta:
- Como você soube fazer isso?
- Meu filho de sete anos me ensinou.
A Revelação da Mãe
Na sexta-feira, Carla estava no salão de beleza quando a manicure começou a reclamar:
- Ai, cliente, essa IA do ChatGPT não serve para nada! Pedi uma cardápio para a semana e ela me deu uma coisa horrível!
Carla se lembrou da pergunta do Pedrinho sobre as rugas.
- Como você pediu?
- "Me dá um cardápio para a semana para almoço."
- E aí ela deu o quê?
- Uma list genérica, sem saber se tenho os ingredientes, se sou alérgica, se como carne, nada!
Carla pegou o celular:
- Posso tentar?
Digitou: "Preciso de um cardápio semanal para uma família de 3 pessoas, mulher vegetariana, homem que não come vegetais e legumes, filho de 3 anos com restrições alimentares (lactose), objetivo: se alimentar de forma saudável, sem muito esforço no preparo das refeições, com cardápio semanal específico e lista de compras."
A resposta foi detalhada, personalizada e profissional.
- Meu Deus, como você soube?
- Meu filho me fez uma pergunta essa semana que me fez pensar diferente.
O Fim de Semana Revelador
No sábado de manhã, a família estava reunida no café quando Pedrinho perguntou:
- Pai, mãe, vocês aprenderam a fazer perguntas melhores essa semana?
Marcos e Carla se entreolharam, surpresos.
- Como você sabe disso, Pedrinho? - perguntou Marcos.
- Porque eu sempre soube as respostas das perguntas que faço para vocês.
- Como assim? - Carla ficou confusa.
- O produto não fica podre no dia da validade, pai. Ele já está começando a ficar podre muito antes. A data de validade é só quando a empresa não garante mais a qualidade. Eu li na embalagem do iogurte.
Os pais ficaram em silêncio.
- E o nariz não tem rugas porque a pele é diferente mesmo, mamãe. Ela é mais grossa e tem mais glândulas sebáceas. Pesquisei no tablet da vovó.
Carla sentiu um nó na garganta:
- Então... você já sabia as respostas?
- Claro! - Pedrinho sorriu. - Eu pergunto para ver se vocês vão pensar ou se vão só dar qualquer resposta.
Marcos se sentou na cadeira, impressionado:
- Mas por que você faz isso?
- Porque os adultos ficaram preguiçosos para pensar. Vocês acham que pergunta é só para ganhar resposta rápida. Mas pergunta boa é para fazer a cabeça funcionar melhor.
Carla olhou para o marido:
- Ele tem razão. Nós paramos de ser curiosos.
- E agora têm essas máquinas que respondem tudo, mas se vocês não sabem perguntar direito, como vão saber se a resposta está certa? - continuou Pedrinho.
Marcos balançou a cabeça, incrédulo:
- Um menino de sete anos acabou de me dar a melhor aula sobre inteligência artificial que eu já tive.
Pedrinho deu aquele sorriso maroto:
- Pai, eu não sei o que é inteligência artificial. Mas sei que tem que ser inteligente de verdade, não só artificial.
Segunda-feira na Empresa
Na segunda-feira seguinte, Marcos estava apresentando um projeto quando um estagiário perguntou:
- Marcos, como você sempre consegue respostas tão boas da IA?
Marcos sorriu, lembrando do filho:
- Posso te ensinar três coisas que aprendi com um especialista em perguntas:
Primeiro: Se você não sabe a resposta, como vai saber se o que a máquina disse está certo? Estude o assunto antes de perguntar.
Segundo: Pergunta vaga dá resposta vaga. Seja específico sobre contexto, objetivo e formato que você quer.
Terceiro: Máquina não substitui pensamento. Ela amplifica. Se você não pensar, ela amplifica sua preguiça mental.
O estagiário anotou tudo:
- Nossa, esse especialista deve ser muito experiente!
- Sete anos de experiência em fazer perguntas que ninguém faz - riu Marcos. - E ele está certo: a gente tem que ser inteligente, não só artificial.
Naquela tarde, quando chegou em casa, encontrou Pedrinho fazendo lição.
- E aí, filho, aprendeu algo novo hoje?
Pedrinho levantou a cabeça:
- Aprendi que os adultos são mais inteligentes do que fingem ser. Só precisam lembrar de fazer as perguntas certas.
- E você, aprendeu algo novo?
- Aprendi que meu filho é o melhor professor que eu já tive.
Pedrinho sorriu e voltou para a lição. Mas desta vez, Marcos reparou que ele não estava respondendo perguntas.
Estava criando perguntas novas.
Os Conceitos por Trás da História
A Psicologia da Pergunta Certa
A história do Pedrinho ilustra um fenômeno que tem sido cada vez mais comum: perdemos a arte de perguntar bem. Crianças fazem perguntas genuínas porque ainda não aprenderam a ter vergonha da própria curiosidade. Adultos fazem perguntas apressadas porque querem respostas rápidas, não compreensão profunda.
O conceito "Garbage In, Garbage Out" (GIGO), que em português significa "lixo entra, lixo sai", é um princípio da ciência da computação que afirma que a qualidade da saída de qualquer sistema é diretamente dependente da qualidade de seus dados de entrada. Em outras palavras, se você fornecer dados ruins, imprecisos ou incompletos a um sistema, o resultado (ou a saída) também será ruim e não confiável, independentemente de quão bem construído o sistema seja.
O Garbage In, Garbage Out da vida real, no contexto da nossa história seria: Quando o colega de Marcos perguntou genericamente "Faz um relatório de vendas" para a IA, ele recebeu lixo. Quando especificou contexto, período, formato e objetivo, recebeu excelência. A máquina não ficou mais inteligente – a pergunta ficou mais inteligente.
A Falácia da Resposta Instantânea
Dados comportamentais reveladores: 73% dos profissionais admitem usar IA para tarefas que não dominam completamente. Resultado? 67% relatam insatisfação com as respostas geradas. A correlação é clara: se você não entende o problema, não consegue avaliar a solução.
Minha observação prática: Pessoas que mais reclamam de "IA burra" são aqueles que menos conhecem o assunto. Não é a ferramenta que é limitada – é o prompt humano que é superficial.
Framework "Pedrinho" para Prompt Quality
P - Propósito claro (objetivo específico)
E - Especificidade (contexto detalhado)
D - Dados relevantes (informações necessárias)
R - Resultado esperado (formato de saída)
I - Iteração inteligente (refinamento baseado em conhecimento)
N - Não-aceitação de primeira resposta sem validação
H - Humildade para admitir quando não se sabe o suficiente
O - Originalidade na formulação da pergunta
De Pedrinho a Operacional: Os Modelos de Prompt
Pedrinho nos ensinou a pensar melhor. Mas pensar é só o começo. Você também precisa estruturar melhor a sua pergunta.
Se Marcos perguntava "faz um relatório de vendas", recebia lixo. Se perguntava "relatório Q3 2025 vs Q3 2024, top 5 produtos, razões das variações, formato executivo com gráficos", recebia excelência. A máquina não ficou mais inteligente — a estrutura da pergunta ficou.
Depois de muito estudar sobre prompts, uso algumas bases, sendo duas mais simples que tem pontos em comum: ambas reconhecem que contexto + papel + ação específica = melhor resposta. Ambas centradas em tarefas. Esse já é um ótimo começo para melhorar suas perguntas.
Se quer ir além, também sigo os especialistas em prompt engineering que criaram um modelo chamado CO-STAR: Contexto (o background), Objetivo (o que exatamente você quer), Steps (como proceder), Type (formato de saída), Audience (para quem é), Role (qual papel ela deve assumir).
Quando você estrutura assim, não está pedindo para a IA adivinhar. Está sendo claro. E máquina processando clareza entrega resultado.
Criatividade Como Diferencial Competitivo
As perguntas absurdas do Pedrinho ("por que no nariz não nasce ruga?") representam algo que IAs ainda não dominam: curiosidade genuinamente original. Máquinas podem processar informações existentes, mas não podem gerar perguntas que nunca foram feitas.
Profissionais que cultivam curiosidade original têm vantagem competitiva sustentável. IA amplifica pensamento, não substitui pensamento.
A filosofia da framework do Pedrinho diz: pense antes de perguntar. O modelo de prompt diz: estruture sua pergunta para que ela não tenha espaço para falhar.
Juntos? Esse é o diferencial real.
A Supervisão Inteligente
"Seja inteligente e não artificial"
Essa frase resume minha filosofia quando se trata de IA: tecnologia deve amplificar inteligência humana, não substituí-la. Pedrinho já conhecia as respostas antes de perguntar – isso o tornava capaz de avaliar a qualidade das respostas dos adultos.
Paralelo com IA: Se você não tem conhecimento suficiente para identificar uma resposta errada, você está vulnerável à desinformação artificial. Especialistas reconhecem nonsense imediatamente. Leigos aceitam qualquer coisa que "soe" plausível.
Minha Recomendação Profissional
Para líderes: Invistam em educação contínua da equipe sobre os temas que eles estão terceirizando para IA. Conhecimento prévio é o melhor filtro de qualidade.
Para profissionais: Desenvolvam curiosidade genuína sobre seu campo. Façam perguntas que ainda não têm resposta fácil. Cultivem ceticismo inteligente.
Para todos: No mundo da inteligência artificial, o diferencial não é ter acesso à tecnologia – é saber fazer as perguntas que ela ainda não aprendeu a responder sozinha.
Até a próxima história!
Kah Ferrão

